sábado, 27 de dezembro de 2008

O Rato de Jacarandá

sábado, 27 de dezembro de 2008
Estávamos nos últimos meses do ano de 1999 e a comissão de eventos de nossa agência decidia detalhes sobre as atrações da festa de fim de ano, em dezembro. No ano anterior, Jacyola havia criado um mural com fotos antigas dos funcionários, a maioria, do tempo em que eram crianças, impúberes, propositadamente sem nomes, e a idéia era premiar aquele que identificasse o maior número de colegas. Em frente ao mural os convidados disputavam um espaço e tentavam encontrar nas fotos, traços que pudessem desvendar a identidade dos retratados. Integração total, muitas gargalhadas, um sucesso!
Para aquele ano optamos por fazer um telejornal ao melhor estilo Global. Como mote principal, os fatos curiosos e engraçados que ocorreram durante o ano. Com a câmera nas mãos, gravamos várias imagens, algumas idéias originais, outras impublicáveis (e logo descartadas), criamos os textos, fizemos várias entrevistas para a seção “Causos da CAIXA”, editamos o material em um estúdio, durante dias, nas velhas fitas em VHS, aguçamos a curiosidade dos colegas, criamos a expectativa e, de novo, um sucesso absoluto.
Dentre uma coletânea de “causos” engraçados, um em especial, me chamou a atenção e a ele reporto-me agora.
O colega Zélio Doromenho, conta que, por volta de 1980, quando ainda morava em Vitória, na capital do estado, no início de sua carreira de bancário da Caixa, numa das vindas para visitar a família, encontrou a casa com muitos parentes e, como de costume, cedeu o quarto para as primas e a tia se instalarem. Ficou acertado que ele se acomodaria em um colchonete no quarto das irmãs.
Naqueles tempos, a diversão certa do fim de semana eram os bailes do ITA, um clube campestre, glorioso no passado, que agora, cedia às modernidades dos eventos menos formais.
Com as acomodações decididas, ele, as irmãs e as primas partiram para o baile, onde uma banda há muito afastada da mídia, tentava sobreviver ao ostracismo, relembrando suas canções e seus melhores momentos. Entre cervejas, hi-fi's, caipirinhas e cubas libres, a noite transcorreu dentro da maior normalidade, apesar de Zélio já demonstrar os efeitos de seu discreto exagero etílico.
Já de madrugada, Zélio, as irmãs e as primas vão se deitar. A ele, restou um pequeno espaço entre a cama de uma das irmãs e o guarda-roupa.
A madrugada ia alta quando, meio dormente e sonolento, Zélio sentiu “algo” pesado passar sobre seu peito, e, de pronto, sentenciou: “É um rato!”.
Zélio odiava aqueles pequenos mamíferos roedores.
Leu certa vez, na sala de espera de uma clínica odontológica, que, segundo uma pesquisa do Departamento de Agricultura do Governo Americano, um casal de ratos pode gerar ao final de seu primeiro ano de vida, um total de 20 milhões de descendentes, e ao final de sua vida média, em torno de três anos, aproximadamente, 359 milhões de indivíduos. A proliferação dos ratos é espantosa, sua maturidade sexual é atingida aos 3 meses de idade. A fêmea pode ter até seis gestações por ano, sendo que o período de gestação dura em média vinte dias e a cada ninhada nascem, em média, oito filhotes. Em condições adversas, procria três vezes ao ano. Em condições ideais, por outro lado, com alimentação e condições climáticas favoráveis, procriam mensalmente, com uma média de doze filhotes por ninhada. Normalmente o rato começa a se deslocar e alimentar-se sozinho a partir do 15º dia de vida. As ratazanas, também chamadas de ratos de esgoto, é a espécie que domina a população roedora, com aproximadamente 85% do total de indivíduos.
As ratazanas são consideradas excelentes escavadoras, constroem túneis que se interligam. São excelentes nadadores e podem permanecer sob a água por até dois minutos, circunstância que possibilita às ratazanas viver dentro de esgotos. Escalam com facilidade e possuem hábitos noturnos, e seu peso médio quando adulto varia de 360 a 460 gramas.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha. Definitivamente era um rato...
As irmãs, em pânico, levantam-se de um salto, acendem as luzes e dão início à caçada ao ameaçador rato. Todos os cantos vasculhados, Zélio, entorpecido, convence as irmãs a esquecerem o ocorrido e a se entregarem aos braços de Morpheu.
Zélio acomoda-se em seu catre.
Não havia passado muito tempo, o cansaço cedendo espaço ao sono, ele sente uma dor aguda, voraz... no nariz. Levanta-se de um feito, espraguejando o infeliz roedor. Havia sido mordido pelo bicho.
A confusão estava armada. As irmãs, as primas, mãe, tia, todos à caça do monstro e chocadas com as marcas deixadas. Na ponta do nariz, duas marcas, um tanto assimétricas e sangrando. Unanimidade, não havia dúvida, era mesmo o ataque de um rato.
A mãe, zelosa, busca na memória os ensinamentos dos antigos.
- Passa álcool. Álcool é bom, desinfeta!
Zélio tenta resistir. O nariz ardia, mas a mãe retruca:
- “O que arde cura, o que aperta segura!”.
Ainda tinham a sensação de estarem sendo observados e, cada um por si, arriscara uma última olhadela pelo quarto na intenção de localizar o invasor. Sem sucesso, voltam a dormir, se é que isso era possível.
No dia seguinte, um domingo, após o almoço farto, típico das cidades interioranas, Zélio se prepara para retornar à capital e promete a mãe que procuraria o posto médico para tratar da mordida do rato.
Os 120 km que separam as duas cidades, Cachoeiro de Itapemirim e Vitória no Espírito Santo, são vencidos em pouco mais de duas horas, viagem tranqüila, mas para Zélio, os olhares dos curiosos naquela cicatriz em seu nariz, que, àquela altura estava inchado e conferia a sua voz um tom nasalado, a fizeram muito mais longa.
Já em casa, Zélio procura o médico. Após uma análise detalhada, o diagnóstico: parecia mesmo a mordida de um rato. O médico receita quatorze doses da vacina anti-rábica, uma por dia, subcutâneas, procedimento comum nestes casos.
A vinda para visitar a mãe naquele fim de semana ficou adiada, afinal, era incômodo trazer a caixinha de isopor com gelo e as doses da vacina, as bagagens, encarar 120 km de ônibus... Melhor ficar.
O fim de semana seguinte demorou a chegar, faltavam poucas doses e Zélio resolveu visitar a família. A saudade era grande. A vontade de farrear, maior.
Coincidências à parte, as primas lá estavam para o baile daquele sábado e Zélio, novamente, resignou-se ao colchonete no chão do quarto das irmãs, local de tristes e dolorosas lembranças.
O baile, o clube e o quase coma alcoólico se repetiram.
Uma espécie de Déjà vu...
De volta a casa, toscanejando, acomodou-se.
Em certo momento da madrugada, Zélio virou-se no colchonete, e percebeu que a porta do guarda-roupa estava em falso, não fechava direito e moveu-se em direção a seu rosto. O trinco inferior da porta aproxima-se e, como se fossem presas, "ataca" seu nariz no mesmo local da ferida....
Por alguns instantes Zélio foi tomado por diversas sensações: angústia, raiva, revolta, vergonha.... Então, não era um rato? Como ninguém percebeu isso? Como eu não percebi isso? Que porcaria de médico era aquele? Quatorze espetadas! O nariz inchado, aquela voz fanhosa por dias e não era um rato? Todas aquelas pessoas, solidárias à minha pequena desgraça particular... Como contar isso a elas?!
Levantou-se, acordou as irmãs, e por tabela, a mãe e as primas (quiçá a rua inteira), que meio sonâmbulas, o vêem, enraivecido e esbravejando, chutando o indefeso colchonete e mostrando como foi vítima da porta daquele maldito móvel de jacarandá....
...
Ainda hoje, ao contar seu “causo”, meio desconcertado, Zélio acha graça e amarga ser o único ser humano de que se tem notícia, tratado com 14 injeções anti-rábicas contra mordida de guarda-roupa.

1 comentários:

Alexandre Gope

2°Lugar Estadual no Talentos FENAE 2019- APCEF/ES

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