sábado, 27 de dezembro de 2008

Rua Sem Saída

sábado, 27 de dezembro de 2008
Sempre achei que as pessoas deveriam cuidar de suas casas com carinho. Não há necessidade de luxo, muito menos de lixo. Mas capricho, isso sim. Nossa rua é sem saída. Seria natural mantermos as calçadas varridas, árvores podadas, nossas casas pintadas, lixo no lixo. Não consigo imaginar, por exemplo, um quintal cheio de quinquilharias, pedaços de bicicletas, baldes velhos, latas de tintas com restos ressequidos, pedaços de madeira, restos das obras...
Descobri que tenho preconceitos. Não de raça, afinal, também tenho um pezinho na senzala. Preconceituoso com os “relaxados”, desprovidos de capricho.
A estes o meu desagrado.
Tampouco tolero a falta de respeito alheia.
Fui educado a evitar a todo custo importunar as pessoas no seu sagrado direito ao sossego. Sou daqueles que evita ouvir música em volume alto. Afinal, o vizinho não tem que apreciar meu escopo musical. Usei e abusei dos fones de ouvido na adolescência. Isso me rendeu uma singular perda auditiva em uma determinada freqüência sonora, mas definitivamente, surdo eu não sou.
Também acho um total desperdício equipar carros com um som poderoso para ouvir “pancadão”. Dizem os meios culturais que o funk (leia-se pancadão) é a expressão cultural das classes menos favorecidas. Isso é discutível. Dizer que este meio de manifestação “artística” usada para decantar as belezas do sexo como uma forma comum de libertinagem, usando e abusando do palavrão, promovendo os famosos bailes funk em que as meninas dançam com mini-saias ainda mais minúsculas, sem calcinhas, e ainda fazer strip-tease em plena multidão ou sexo à vista de todos é afirmar que é manifestação de cultura, putz! Só pode ser coisa de jornalista boiola metido a intectual.
Meus vizinhos tem ambos os problemas. São desleixados e tem um gosto musical deplorável e devem sofrer de distúrbios gravíssimos de audição.
Meus fins de semana se transformaram em um martírio para toda a família.
Tudo é motivo para reunir a “galera”. E como tem motivos para comemorar estes vizinhos. É aniversário da mais nova, festa! Nasceu a neta, festa! Flamengo ganhou, festa! É dia de jogo e o Flamengo perdeu, bebe-se para esquecer, Festa! O irmão da melhor amiga da filha do meio passou no vestibular, festa! Quando a galera se um reúne para comemorar, do meu lado não existe a menor chance de se assistir a uma TV, filme, ouvir música... Os cães latem como loucos e as aves emudecem por dias.
O fato de serem afro-descendentes, porque preto é feio falar, só pioram as coisas. Aliás, o contrário de branco, como se reportam os negros a nós, caucasianos, não é preto? Deixa isso pra lá. Você tem que se policiar o tempo todo. Eles sabem disso e provocam para que você as diga. Acho curioso que os negros mereçam tamanha distinção. Consta que os negros, no Brasil, são minoria. Estatisticamente não. Nem os obesos. Chama-los de “neguinho” podem render alguns anos de cadeia. Ivete Sangalo e Lenine são mestres no uso da palavra “Nego” e andam soltos. Eu sou obeso. Se me chamarem de “baleia” posso também processa-los?
Meus vizinhos não são pessoas ruins. Só mal-educados. Muito. Não da educação formal, aquela de escola, do beabá. Refiro-me a educação de berço, legado de família. Não conseguem conversar falando baixo. Na minha melhor comparação, um bate-papo tranqüilo mais parece um pregão da bolsa de valores. Uma piada é interpretada com uma gargalhada e, traduzindo ao melhor estilo Jorge Amado, mais parece a incorporação da Pomba Gira nos terreiros de Candomblé. Uma discussão animada sobre qualquer tema cotidiano, parece a expulsão de demônios na mais pentecostal das igrejas de bairro. Se há divergência sobre o assunto, parece porradaria entre torcidas rivais em final de campeonato carioca. Eles são assim. Gente boa...
No natal, quatro carros de som pesado, disputavam as atenções nos 150 metros de rua. As músicas natalinas nas casas da rua ficaram abafadas pelos funks.
Papai Noel devia estar travando uma batalha hercúlea para acalmar as renas. As crianças menores temiam ficar sem presentes. Como Papai Noel entregaria os presentes com tanto barulho? Em meio ao tumulto e ao desconforto, por alguns segundos consegui achar graça. Imaginei a cena...
E por falar em cena, em dado momento, meu desejo era de viver o papel de Michael Douglas em “Um Dia de Fúria”, louco, ensandecido. Imaginei-me como John Rambo, com uma metralhadora ponto 50, atirando em todos aqueles alto-falantes, gritando com o canto da boca torta ao melhor estilo Sylvester Stallone.
A polícia foi chamada. Antes de chegar a “galera” viu as luzes da viatura, baixou o som, fechou as malas dos carros e tudo estava tranqüilo. Eles olharam, fizeram algumas considerações e saíram. Quinze minuors depois, pau na moleira, é funk, brother!
Minha rua é sem saída. Em ambos os sentidos...

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