quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Amizade Canina

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022 0

 

Sempre achei curiosa a comparação entre um amigo fiel e um cão. Recentemente retornei a estas comparações quando ao ver nas notícias que aparecem no Google, uma chamada para uma matéria, dizendo que Muntadhar al-Zaidi, que  protestava contra a invasão americana a seu país, estava se candidatando ao parlamento no Iraque. Lembrei- me que, na época,  Bush desviou-se dos calçados, mas foi duplamente insultado pelo iraquiano, um repórter muçulmano, primeiro por  atirar seus sapatos no líder do governo  americano, e na sequência por chamá-lo de Cão. Segundo a religião muçulmana, o cão é considerado um animal impuro e uma ofensa séria quando proferida entre aqueles fiéis.

Curiosamente uma lenda, cuja origem desconheço, diz que quando Adão e Eva foram expulsos do paraíso, abriu-se uma fenda que os impediriam de retornar. Antes que a fenda ficasse larga demais para ser transpassada, o cão saltou-a e juntou-se ao homem preferindo passar o resto de sua vida ao seu lado. Como encarar o cão, cuja fidelidade é tão bem representada aqui, como um ser impuro?

Demonstrações de afeto, coragem e fidelidade existem ao longo da história.

A cidade de Nome no Alasca , no ano de 1925, passava por uma epidemia de difteria que afetava a quase toda a sua população infantil. Nevascas bloqueavam o acesso pelas estradas e vias férreas. Não havia como levar os medicamentos. A cidade mais próxima com as antitoxinas necessárias era Nenana, distancia que só poderia ser vencida por trenó, em uma corrida de revezamento de 1.600km. Coube ao condutor Gunnar Kaasen e seu cão guia Balto, um mestiço de lobo e husky siberiano a pior parte do trajeto. Balto, com sua determinação e liderança, conduziu sua equipe em meio a nevasca e por desfiladeiros perigosos. Em sua homenagem e aos cães das equipes do revezamento de Nome a Nenana, foi erigida no Central Park de Nova York uma estátua como reconhecimento pelo espírito determinado dos cães de trenó.

Em Tókio no Japão o Professor Eizaburo Ueno, morador do subúrbio, próximo a estação de Shibuya, ganhou, em 1923, um filhote da raça Akita. Batizou o filhote com o nome de Hachi e o chamava pelo diminutivo de Hachiko. Hachiko acompanhava seu dono todos os dias até a estação de Shibuya e retornava por volta das 16h para esperá-lo. Em 21 de maio de 1925, o Professor Ueno sofreu um derrame e veio a falecer. Amigos do Professor Ueno e empregados da estação cuidaram de Hachiko. O cão continuou a esperar pelo seu dono, todos os dias, até o dia de sua morte em 07 de março de 1934 com 11 anos de idade. No local onde Hachiko esperou por anos seu dono, foi erigida uma estátua sua, cão da raça Akita, símbolo do Japão e em honra da paixão e lealdade de um animal pelo seu dono. Essa história foi retratada, com muita emoção, no filme Sempre ao Seu Lado, com Richard Gere.

Esta são duas entre tantas histórias sobre estes cães maravilhosos.

O que dizer dos cães guias que pacientemente ajudam a seus donos deficientes visuais? Ou dos cães de resgate que salvam vítimas de desastres naturais, guerras e acidentes? Ou dos cães que auxiliam a polícia no combate as drogas e às ações terroristas, identificando drogas e bombas? Ou ainda dos cães que são a companhia e a alegria de idosos, indicados como coadjuvantes no tratamento de pessoas com Alzheimer? Ou dos cães que são indicados como agentes socializadores para crianças com dificuldades de relacionamento, em especial,  as do espectro autista? Sem contar aqueles cuja função é o pastoreio e proteção ao rebanho, com inteligência e destreza respondendo aos comandos sonoros de seus tutores.

São animais únicos, fantásticos e impressionantes, úteis, necessários e fiéis, e que tudo fazem com o único intuito de agradar o seu "humano".

Cheguei a conclusão que aquele repórter ao atirar seus sapatos naquele líder de governo, representava, na verdade, o desejo de um país inteiro de fazer o mesmo...

Isso foi em 2008, com George W. Bush. Mais recentemente, acredito que muitos gostariam de fazer o mesmo com Donald Trump.

Mas daí, chamá-lo de CÃO como uma forma de insulto, foi, no mínimo, uma enorme injustiça aos nossos valorosos amigos caninos.

ZYL-9 Rádio Cachoeiro AM 1210 Kilohertz

 

Em 1976, aos 11 anos de idade, tive hepatite, do tipo A, a mais branda. Minha mãe não entendia bem, mas foi o suficiente para se preocupar e tomar todos os cuidados. Naqueles tempos o tratamento se resumia em banho “de assento” de Chá de Picão (uma erva medicinal) e a alimentação consistia em copos e mais copos de geléia de mocotó IMBASA, sabor tutti-frutti e muitos e muitos suspiros de clara de ovos. O que mais me afligia era o repouso. Dias deitado, o máximo inerte possível.

Colocaram a TV no meu quarto para me distrair. Era uma TV pequena, preto e branco, salvo equívoco. Meu pai, percebendo minha angústia, me trouxe um rádio Dunga, da marca Motorádio e funcionava com pilhas. Era vermelho. Foi minha companhia por longos dias. 

No rádio, sintonizava a ZYL-9 Rádio Cachoeiro AM 1210 KHz. A rádio que havia lançado, na Capital Secreta do Mundo, apelido que Rubem Braga deu à cidade, nomes como Roberto Carlos, Carlos Imperial, Darlene Glória, Jece Valadão, Sérgio Sampaio entre outros. 

Havia um programa que era divertido e me prendia a atenção. O Nelson Pereira Show tocava as melhores músicas dos anos 60 e também os hits de sucesso da época. O apresentador começava o programa com o bordão, “Alô, Alô Bistecas e Marmanjos”, e à partir dali, ele contava histórias, lia as cartas que os fãs mandavam, alguns de elogio e outras com reclamações bairristas das mais diversas, mandava abraços a muitos ouvintes, além das propagandas dos patrocinadores.

Sobrevivi à Hepatite e durante muitos anos, na minha juventude, me entristecia o fato de não poder ser doador de sangue por conta da doença. Anos mais tarde, descobri que a hepatite A não impede a doação e tardiamente, realizei essa vontade. Hoje sou doador de carteirinha.

Anos depois, me formei em direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim, e então me vi no paradoxo dos formandos.  Eu havia mudado de status: de “promessa de futuro do país” para um “problema social”. Havia sido demitido do Banco Real, meu primeiro emprego, por conta do Plano Sarney. 

A solução eram os concursos públicos. Minhas referências de ideário de vida eram funcionários públicos, em sua maioria, bancários. Meu Tio Paulo do Banco do Brasil e Seu Gilton, pai de um amigo que depois veio a ser meu tio, por empréstimo. Casei com a sobrinha dele, Cláudia.

Me inscrevi em alguns concursos e me dediquei aos estudos, nas apostilas que eram vendidas em frente aos correios da cidade. Prestei concurso da Prefeitura Municipal para a DATACI – Empresa de Processamento de Dados do município. Havia passado para a função de Controller, um nome garboso para o conferente de dados digitados. Na sequência, me inscrevi para o Concurso da Caixa Econômica Federal e do BANESTES.

Entre a inscrição e a prova propriamente dita, decorreram meses. Nesse meio tempo, fui convocado para a DATACI e ali trabalhava e continuava meus estudos para as provas dos concursos que ainda viriam. 

O da CAIXA veio primeiro, em duas etapas, a prova escrita e a prova de datilografia. Fiz a primeira etapa, fui aprovado, e aguardava a próxima etapa com ansiedade.

A prova escrita do BANESTES , conflitava com a prova de datilografia da CAIXA. Optei por continuar com a  CAIXA, fiz a prova de datilografia, aguardei o resultado por dias e, com o coração disparado, vi meu nome na lista de aprovados, nas folhas impressas, presas no vidro da porta de entrada da Agência Cachoeiro. Uma das melhores sensações que eu já havia vivido. A segunda melhor foi quando contei para os meus pais. Uma conquista e tanto para mim e para eles.  Fiquei no aguardo para ser convocado. Uma longa espera, por sinal.

E enquanto aguardava, nos jornais uma notícia mudaria minha rotina e ali começaria uma série de situações tão singulares, que as classifiquei com uma sorte fora do comum. 

Os jornais noticiavam que os gabaritos da prova do BANESTES haviam vazado e o banco resolvera  cancelar a prova e remarcar nova data, com nova prova e com mais rigor na fiscalização.  Como já havia me inscrito, resolvi fazer a prova. Sorte de número um.

A prova escrita foi numa escola em Vitória, num dia chuvoso, numa sala em que a circulação de ar estava restrito a umas aberturas com cobogós. Por conta da chuva, faltou energia e os  ventiladores de teto não funcionaram, a luz era insuficiente e a lei que impedia aos fumantes à prática em locais fechados, ainda não era cobrada. Eu precisava acertar 60 das 120 questões que compunham os cadernos de português e matemática. Minha alergia à fumaça de cigarros e poeira, associado ao calor e à falta de luminosidade apressaram a entrega da prova e minha saída daquele local insalubre.

Quando saiu o gabarito e eu havia acertado 50 das 120 questões, abaixo da média de 60 questões exigida. No entanto, o BANESTES havia soltado uma nota em que dizia que a quantidade de participantes aprovados não eram suficientes para as necessidades do banco e resolveram baixar a média para 50 pontos. Com isso havia passado. Sorte de número dois.

Veio a prova de datilografia. Foi no Campus da UFES e nessa época,  eu e Cláudia namorávamos e havíamos combinado de tentar mudar meu horário para a prova, já que era possível, já que não havia máquinas de datilografia suficiente para todos. A ideia era atrasar minha prova para mais tarde, já que Cláudia tinha um compromisso na UFES (ela fazia graduação em Educação Física) e assim poderíamos viajar juntos de volta a Cachoeiro. Cancelaram o compromisso na UFES e avisado, resolvi fazer a prova no horário originalmente marcado, e assim viajarmos mais cedo.

Me apresentei ao fiscal, expliquei o ocorrido, tudo resolvido, fui à prova. Antes porém, outros dois fiscais entraram na sala e pediram aos presentes, se poderiam atestar a ausência de dois candidatos. Nunca me coloquei à disposição para essas situações, talvez por timidez ,mas naquele momento, o fiscal estava próximo e me ofereci. Me trouxe um relatório, apontou uma linha e pediu que assinasse, atestando a ausência. Um dos nomes dos ausentes era o meu. Informei ao fiscal, mostrei a identidade, uma certa surpresa no ar e segui para fazer a prova. Sorte de número 3.

Dias depois saiu o resultado. Eram necessários 180 toques por minuto e um percentual de erros baixo para passar para a próxima fase, a prova de psicotécnico. Minha média ficou pouco abaixo dos 180 toques e ali, imaginei, acabaria minha aventura. O BANESTES então, considerando que o índice exigido não conseguira aprovar o número necessário de candidatos, baixou a média e entrei de novo na disputa. Sorte de número quatro.

No dia da prova de psicotécnico, entrei no ônibus que me indicaram e que me deixaria no local da prova. Eu havia feito o trajeto umas poucas vezes e confesso, andar em Vitória me causava um certo desconforto. No caminho, um acidente  fechara a via e o ônibus teria que fazer um desvio que aumentaria o tempo para chegada ao colégio onde seria aplicada a prova. Perguntei ao trocador se mais alguém estava a caminho da prova e me disse que sim, muitos outros. Colei neles e torci para chegarmos a tempo. Chegamos atrasados e antes mesmo de chegar aos portões, sabíamos que não entraríamos. Os concursos eram rígidos neste quesito. No entanto, cientes do acidente e do desvio, a direção da prova resolveu dar uma tolerância de 15 minutos e conseguimos entrar. Sorte de número 5.

No horário de almoço na DATACI, no dia agendado para o resultado, fui à TELEST e liguei para o número de telefone que havia anotado. Confiei na memória e não levei o comprovante de inscrição. Eram tantas coincidências e situações  tão improváveis que, contando dificilmente acreditariam, mas lá estava eu, aguardando o resultado. Para a minha cidade, eram 20 vagas para as duas agências, Cachoeiro e Bernardo Horta, essa última, muito próxima de minha casa. A resposta veio negativa, com um pesar na voz da funcionária que me atendera.

De volta ao trabalho, perplexo e entristecido, peguei a inscrição que estava na minha mochila e olhava para ela sem entender aquela situação. Notei que eu havia invertido o número no meio da sequência da inscrição. A memória me pregou uma peça. Havia uma chance. Peguei o número do telefone e levei o comprovante de inscricao de novo à TELEST. 

Liguei novamente, falei com a mesma pessoa, me desculpei e passei o número correto, enquanto ela procurava na lista, mentalmente repassava a série de improbabilidades e por certo, eu teria que passar, nem que fosse para a última vaga. A funcionária voltara a falar comigo e me disse que sim, eu havia passado, na última vaga e por isso, assumiria na Agência Bernardo Horta. Sorte de número seis.

Havia conseguido passar no Concurso do BANESTES e trabalharia na agência que eu queria. Tudo muito apropriado, perfeito.

Tinha que ter  alguma razão para eu ter conseguido. Tudo dando certo, quantas situações loucas. Qual seria o propósito?

Fiz os exames admissionais, contrato assinado, CTPS com registro novo e na data agendada me arrumei e desci para a agência, não sem antes ouvir uma série de recomendações de minha mãe.

Me apresentei na agência a uma jovem senhora por nome Heloísa. Muito simpática, me perguntara se eu tinha alguma experiência de trabalho, ao que mencionei que havia trabalhado como Caixa Executivo Efetivo no Banco Real, isso aos 19 anos, e que também trabalhara no Setor de Ordens de Pagamento. Me disse que me alocaria no mesmo setor, onde certamente eu me sentiria mais à vontade.

Me levou ao setor e me apresentou ao supervisor. Meio nervoso e curioso, não havia prestado muita atenção ao nome, na verdade, um apelido que Heloísa o havia chamado. O supervisor era falante, simpático, ostentava um vasto bigode preto e tinha uma voz potente, falava alto, a todo momento falava com os colegas, pareciam ser íntimos, um ambiente agradável de trabalho.

O telex não parava e muitas ordens de pagamentos chegavam de outras agências do estado e precisavam ser datilografadas em modelos apropriados, anexada a mensagem do telex que originara a OP e na sequência, a  assinatura do supervisor sob carimbo. Naquele primeiro dia, fiz com o máximo de zelo, para causar uma boa impressão.

Ao assinar as ordens de pagamentos, tentei ler o nome, ininteligível aos meus olhos, mas ao carimbar, lá estava o nome impresso, Nelson Pereira. Por um instante, me reportei aos meus onze anos de idade, ao meu radinho Dunga vermelho e aos muitos dias em repouso.

Perguntei se ele tinha alguma relação com a Rádio Cachoeiro e em resposta ele soltou um “Alô, Alô, Bistecas e Marmanjos!”, a mesma voz, a mesma entonação. Meu coração disparou.  Me contara do programa e de algumas outras curiosidades que ávido absorvi. Me perguntou se eu ouvia o programa e relatei sobre a doença, o repouso, o rádio... e pela companhia que ele me fizera nas manhãs daqueles intermináveis dias.

Notei um repentino momento de seriedade, diferente, misto de emoção, orgulho, saudade.

Contei, por oportuno, minha saga até chegar ali.

Fiquei poucos meses no BANESTES e logo fui chamado para assumir minha vaga na Agência de Muniz Freire.

Me despedi dos colegas e agradeci pela acolhida e pelos meses de convivência. Ao Nelson, em especial, meu abraço foi mais longo, ele sabia ser de gratidão.

De alguma forma, tudo na vida tem uma razão de ser, nada acontece ao acaso e, neste caso, talvez tenha sido a oportunidade de agradecer, pessoalmente, a quem, sem me conhecer, foi meu companheiro em momentos de angústia, motivo de risadas quando a vontade era de chorar e que virou um amigo de todos os dias, com hora marcada para me visitar.

Valeu Deus!

 
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